1. Introdução
O
instituto do bem de família é uma garantia jurídica fundamental para a proteção
do núcleo familiar, assegurando-lhe um digno local para residência e
convivência. No entanto, a questão da impenhorabilidade do bem de família é um
tema complexo que envolve uma série de requisitos legais para a sua aplicação e
proteção. Este artigo busca analisar em detalhes os requisitos necessários para
que um imóvel seja considerado bem de família e, consequentemente,
impenhorável, considerando a legislação atual e suas interpretações
jurisprudenciais.
Pode-se considerar dois tipos de bem de família: o residencial e a pequena propriedade rural.
a) O
Imóvel Residencial ou moradia
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Bem de Familia Redidencial |
b) A
Pequena Propriedade Rural
![]() |
Pequena Propriedade Rural |
2. Requisitos Legais para a Caracterização do Bem de Família
Para
que um imóvel seja considerado bem de família e, consequentemente impenhorável,
é necessário atender a uma série de requisitos estipulados pela legislação.
Esses requisitos englobam não apenas a destinação do imóvel, mas também as
características específicas que devem ser observadas. Dentre os principais
critérios, destaque-se:
a. a Afetação do imóvel como residência familiar:
Um dos principais requisitos está
disposto no artigo 1º da Lei 8.009, de 29 de março de 1990, a saber:
Art. 1º O imóvel
residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não
responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária
ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que
sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta
lei.
Significa dizer que a família deve
fazer da residência sua moradia? A resposta é: não necessariamente, mas é
evidente que se o local for a própria residência familiar deve ser apontada
como tal.
No entanto, se a família tem um bem e
aloca e vive dos rendimentos desta locação, este imóvel também pode ser alegado
como impenhorável. Além disso, o Devedor pode possuir mais de um bem imóvel, e
apenas um será designado como bem de família ou impenhorável, sendo o este o de
menor valor comercial, ou com registro específico no Cartório de Imóveis, conforme
determina o parágrafo único do artigo 5º, da Lei 8.009/1990.
Art.
5º
Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se
residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para
moradia permanente.
Parágrafo
único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser
possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade
recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse
fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil.
Deste modo, quando existe ação
judicial, cabe ao DEVEDOR provar a
impenhorabilidade.
Em sua defesa, a depender do caso
concreto, pode ser alegado o disposto na Sumula
486 do STJ e/ou Súmula 364 do STJ, destacando que a residência tanto pode
ser familiar, bem como, de pessoas solteira, separada e viúva. Vejamos os
enunciados:
Súmula
486, do STJ
É impenhorável o único
imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda
obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua
família. (SÚMULA 486, CORTE ESPECIAL, julgado em 28/06/2012,
DJe 01/08/2012).
Súmula 364, do STJ
O conceito de impenhorabilidade de bem de
família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e
viúvas. (SÚMULA 364, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/10/2008, DJe 03/11/2008)
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A Residência Familiar é Impenhorável. |
Para o STJ no julgamento do AREsp
2088444/SP, o Ministro Relator Marco Buzzi, destaca que:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO
EM RECURSO ESPECIAL. IMPENHORABILIDADE. BEM DE FAMÍLIA. SÓCIO. PROPRIEDADE DE
PESSOA JURÍDICA. IMÓVEL ÚNICO. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. DECISÃO MANTIDA.
1. Inafastável o entendimento desta Corte,
que reconhece à impenhorabilidade de imóvel de propriedade de pessoa jurídica
quando servir de residência para a família do sócio.
2. "Não se faz necessário provar que
o imóvel em que reside o devedor seja o único de sua propriedade para que se
reconheça a impossibilidade de penhora do bem de família, uma vez que essa
exigência inexiste no conjunto de normas que disciplina a matéria" (REsp
n. 1.762.249/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
4/12/2018, DJe 7/12/2018).
3. Agravo interno a que se nega
provimento.
(AgInt no AREsp 909.458/SP, Rel. Ministro ANTONIO
CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 30/05/2019, DJe 04/06/2019)
Fique bem atento! Porque na ação
judicial, não basta alegar a impenhorabilidade do bem de família, é fundamental
no processo provar tal fato. Dentre as provas que podem ser anexadas, pode-se
citar, por exemplo, canta de água, conta
de energia, IPTU, fatura de TV a cabo, taxa de condomínio, dentre outras,
desde que esteja em nome do proprietário e DEVEDOR.
Vale ressaltar, que existem exceções,
porém este tema será abordado em outro artigo.
Outro ponto importante a destacar, é
que o STJ tem entendimento que a vaga de garagem com registro próprio pode sim,
ser penhorada.
Súmula
449, do STJ
A vaga de garagem que possui matrícula
própria no registro de imóveis não constitui bem de família para efeito de
penhora.
3)
Quando o bem é uma pequena propriedade rural, quais os requisitos?
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Pequena propriedade rural usada como meio de subsistência familiar pode-se opor impenhorablidade |
De
acordo com o parágrafo 2º, artigo 4º, da Lei 8.0009/1990, tem-se que:
Art.
4º Não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente,
adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar,
desfazendo-se ou não da moradia antiga.
§
1º Neste caso, poderá o juiz, na respectiva ação do credor, transferir a
impenhorabilidade para a moradia familiar anterior, ou anular-lhe a venda,
liberando a mais valiosa para execução ou concurso, conforme a hipótese.
§
2º Quando a residência familiar
constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de
moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do art. 5º, inciso XXVI,
da Constituição, à área limitada como pequena propriedade rural.
É
importante frisar que a família deve provar que a pequena propriedade é seu
meio de subsistência, ou seja, a pequena propriedade é produtiva, e tais provas
devem ser colacionadas dentro dos próprios autos, haja vista um dos principais
motivos de recursos desprovidos no STJ é falta de provas nos autos, como se
pode perceber nos julgamentos a seguir:
AgInt no AREsp n. 2.304.172/GO – não provido,
análise probatória.
DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
EXECUÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEQUENA PROPRIDADE RURAL. IMPENHORABILIDADE.
REQUISITOS. ÔNUS DA PROVA. DEVEDOR/EXECUTADO. PRECEDENTE DA SEGUNDA SEÇÃO.
REVISÃO DO ACÓRDÃO. MATÉRIA PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DO STJ.
AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1.
Para o reconhecimento da
impenhorabilidade, é ônus do devedor/executado comprovar que o imóvel se
enquadra no conceito de pequena propriedade rural e se destina à exploração
familiar.
Precedente.
2.
A alteração das conclusões do acórdão recorrido quanto ao preenchimento dos
requisitos para se reconhecer a usucapião exige reapreciação do acervo
fático-probatório da demanda, o que faz incidir o óbice da Súmula nº 7 do STJ.
3.
Agravo interno não provido.
(AgInt
no AREsp n. 2.304.172/GO, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma,
julgado em 18/9/2023, DJe de 20/9/2023.)
AgInt no REsp n. 2.071.471/SP – não
provimento - ausência de prova
AGRAVO
INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. IMPENHORABILIDADE DE PEQUENA
PROPRIEDADE RURAL. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA, MAS JÁ PREVIAMENTE DISCUTIDA EM
OUTRAS OPORTUNIDADES. AINDA ASSIM, EXAMINADA A AUSÊNCIA DE PROVAS DE SUAS ALEGAÇÕES
GENÉRICAS. RECORRENTE BUSCA POSTERGAR A DISCUSSÃO. PRECLUSÃO DA MATÉRIA.
PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CABIMENTO.
MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. AFASTADA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1.
Opera-se a preclusão consumativa quanto à impenhorabilidade da pequena
propriedade rural quando houver decisão anterior acerca do tema, mesmo se
tratando de matéria de ordem pública.
2.
A Corte estadual, ao negar provimento ao recurso do insurgente, reconheceu a
preclusão consumativa quanto à alegação de impenhorabilidade da pequena
propriedade rural, porquanto já afastada por decisão anterior, e não
questionada pela parte no momento oportuno. Decisão em consonância com a
orientação desta Corte Superior.
3.
A litigância de má-fé, passível de ensejar a aplicação de multa e indenização,
configura-se quando houver insistência injustificável da parte na utilização e
reiteração indevida de recursos manifestamente protelatórios, o que não se
verifica na hipótese.
4.
Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt
no REsp n. 2.071.471/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira
Turma, julgado em 4/9/2023, DJe de 6/9/2023.)
AgInt
no AREsp n. 2.130.966/GO – recurso desprovido, análise de provas.
AGRAVO
INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA SOBRE
IMÓVEL RURAL. DISCUSSÃO SOBRE OS CRITÉRIOS LEGAIS DE DEFINIÇÃO DA PEQUENA
PROPRIEDADE RURAL
PARA
EFEITO DE IMPENHORABILIDADE. IMPERTINÊNCIA DO DISPOSITIVO LEGAL APONTADO COMO
VIOLADO. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. PRECLUSÃO CONSUMATIVA
QUE SE OPERA MESMO EM RELAÇÃO A QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA
N. 83/STJ. EXCESSO DE EXECUÇÃO EM RAZÃO DE PAGAMENTO PARCIAL DO DÉBITO. REEXAME
DE PROVA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1.
À luz da Súmula 284/STF, não se conhece de recurso especial na hipótese de o
recurso especial apontar violação a artigo de lei que não contém comando
normativo apto a ensejar eventual alteração do acórdão recorrido.
1.1
No caso dos autos, os dispositivos de lei tidos como violados, revelam-se
inadequados para a solução da controvérsia, pois o Supremo Tribunal Federal, ao
definir o alcance da proteção constitucional da impenhorabilidade da pequena
propriedade rural (art. 5º, XXVI, da CF/1988), no julgamento do Tema 961/STF, à
míngua de lei específica que definisse a pequena propriedade rural, admitiu
como parâmetro o tamanho definido no art. 4º, II, a, da Lei 8.629/1993,
considerando-se pequena propriedade, o imóvel rural que possua a área
compreendida entre 1 (um) a 4 (quatro) módulos fiscais.
2.
O entendimento deste Superior Tribunal firmou-se "no sentido de que tão
somente o erro material pode ser corrigido a qualquer tempo, enquanto os erros
sobre os critérios do cálculo, inclusive, no que concerne a juros moratórios e
correção monetária sujeitam-se à preclusão" (AgInt no REsp 1.958.481/RS,
Relator Ministro Francisco Falcão, DJe 24/3/2022).
3.
Reverter a conclusão do Tribunal local para acolher a pretensão recursal,
sobretudo no que se refere à tese de excesso de execução em razão de pagamento
parcial do débito, demandaria o revolvimento do acervo fático-probatório dos
autos, o que é vedado em virtude da natureza excepcional da via eleita,
consoante enunciado da Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça.
4.
Agravo interno desprovido.
(AgInt
no AREsp n. 2.130.966/GO, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira
Turma, julgado em 3/5/2023, DJe de 8/5/2023.)
Portanto, colacionar as provas aos autos é fundamental para alegar impenhorabilidade do
bem de família, e deve ser feita na primeira oportunidade sob pena de preclusão
consumativa.
No
próximo tema abordar-se-á sobre meios de defesa e prazo da impenhorabilidade do
bem de família.
Socorro Domingos
Exp. Execução Civil.
2 Comentários
Excelente tema. Gostaria de saber mais sobre modelo de defesa.
ResponderExcluirExcelente! Parabéns pelo tema.
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